Os pontos abaixo são um resumo das minhas impressões sobre a vida no Québec até o momento. Vou dar mais detalhes sobre como eram as creches com as quais eu tive contato, descrever como foi o nosso 1o inverno aqui, falar sobre outras diferenças culturais / estruturais que tenho percebido, dentre outros.
Confira a
parte 1 aqui.
Bilinguismo e Multiculturalismo
Em outros posts, já falei sobre como fizemos para garantir que, desde o Brasil, as meninas fossem expostas aos dois idiomas (inglês e português) para que pudessem ficar fluentes em ambos. Como a habilidade de se expressar num idioma está fortemente vinculada ao emocional e ao relacionamento que temos com as pessoas, viemos para o Canadá e, sem pensar muito sobre o assunto, continuamos o hábito de falar somente em inglês em casa com elas (apesar de sempre falarmos em português um com o outro). No fim do nosso terceiro mês aqui, mais ou menos, comecei a perceber e a me incomodar com o fato de que a Nicole resistia em falar português com os avós nas conversas pelo Skype. Ou seja, apenas ouvir o pai e a mãe conversarem em português um com o outro em casa não estava sendo suficiente para garantir a fluência dela. No Brasil dava certo porque praticamente toda a comunicação fora de casa (exceto igreja) era em português também. Óbvio, né?! Pois é, mas nós não nos atentamos para isso e não planejamos como seria a questão dos idiomas neste um ano fora.
Percebido o "problema", eu me esforcei para falar em português em casa com as duas (principalmente com a Nicole). Também comecei a colocar vídeos no Youtube para elas verem de vez em quando (basicamente Crianças Diante do Trono e Galinha Pintadinha) na intenção de que elas começassem a cantar as musiquinhas em português. É claro que elas entendiam tudo em português, mas na parte da comunicação, a Nicole resistiu durante algum tempo (acho que 2 ou 3 semanas) para me responder em português já que o inglês havia se tornado tão predominante na vida dela. Até a pronúncia dela no começo ficou engraçadinha e algumas conjugações saiam totalmente erradas mas, como disse, conseguimos reverter a situação em pouco tempo. Acho que a Nicole, de certa forma, sempre teve facilidade com idiomas e comunicação. Hoje ela fala novamente os dois idiomas sem dificuldade (claro que ela inventa palavras vez ou outra, mas quem nunca?! Eu também faço!) e, com a irmã, percebo que o idioma de preferência continua sendo o inglês, o que para mim não é problema algum.
Mas e a Alícia?! Bem, a Alícia está há um mês de completar 3 anos e, não sei se já comentei antes, mas fonética e comunicação nunca foram o forte dela. Para "ajudar", como ela é a segunda filha, eu sou muito menos disciplinada para falar um idioma só com ela e não me policio tanto para corrigi-la quando ela fala algo errado ou mistura os dois na mesma frase. Com a Nicole nesta idade, eu exigia que ela repetisse a frase toda de novo na forma certa antes de atender ao seu pedido. Apesar disso, eu percebo que a Alícia tem preferência por falar inglês (acho que porque estamos aqui), mas é muito comum ainda ela começar com "Eu" e falar todo o resto em inglês. Resultado: nem sempre as pessoas a entendem. Mas ela ainda é nova e eu já passei da fase de me preocupar. No começo eu mentalmente a comparava com a irmã e o que ela já sabia falar com x idade, e me "estressava"... até pensei em levá-la numa fono (quando estávamos no Brasil ainda) pra ver se ela tinha algum problema de dicção. Mas agora que vejo o quanto ela já progrediu e o quanto ainda está progredindo, fico em paz e sei que ela vai desabrochar no tempo dela! Tem uma historinha no material de
homeschool das meninas - chamada
Leo, The Late Bloomer (clique no link para ver crianças lendo a história) - que fala justamente disso. De tanto ler e ler a história para elas, acho que acabei internalizando a mensagem. :-)
Na Parte 1 deste post, eu mencionei que as meninas frequentaram uma creche francófona aqui no Québec. Elas não ficaram fluentes em francês porque foram apenas 3 meses em meio-período (e elas nunca iam todos os dias da semana), mas foi interessante vê-las incorporando o francês em algumas brincadeiras e atividades da casa. Até hoje, por exemplo, quando terminam de usar o banheiro, é comum elas nos avisarem dizendo
J'ai fini (=terminei). Eu também já peguei a Nicole brincando de telefone em inglês e francês - ela perguntava algo em francês e fingia que a pessoa do outro lado não entendia, para então traduzir para o inglês. Apesar disso, nenhum de nós aqui precisa falar francês no dia-a-dia!! Praticamente nada. Meu marido é do tipo cara-de-pau e gosta de se arriscar pra aprender (certo ele, né?!), mas como Montreal é uma cidade bem bilíngue, eu raramente me aventuro a responder em francês para as pessoas na rua (medo de errar e também porque não sei mesmo). Os atendentes no comércio dizem "Bonjour" e "Hi" e é a resposta do cliente que determina em que idioma será o atendimento - então eu geralmente digo "Hi", rsrs.
É por este motivo que, apesar de estarmos numa província francófona e as placas, propagandas, embalagens dos produtos, cardápios e afins serem em francês, isto não é suficiente para deixar ninguém fluente (muito menos criança que ainda nem sabe ler!), ainda mais porque nós frequentamos uma igreja anglófona e temos muitos amigos que falam inglês (ou português). A única exceção, eu diria, é uma amiguinha das meninas, nossa vizinha, que também se chama Nicole. A família é da Ucrânia e imigrou para o Canadá havia um ano quando os conhecemos no parque (isso quando havíamos acabado de chegar também). Nem ela nem os pais falam inglês muito bem, mas como na época eu não sabia absolutamente nada de francês, eles foram super simpáticos e se esforçaram muito para se comunicar comigo em inglês. Imagine a cena bizarra: a cada duas palavras eles procurando alguma palavra em inglês no
google, hehe.
O multiculturalismo e multilinguismo daqui de Montreal são gritantes. São tantas nacionalidades diferentes que fico boba! Vir pra cá mudou completamente a minha visão sobre o ser humano, abriu a minha mente. E a maioria das pessoas fala, no mínimo, 2 a 3 idiomas fluentemente. Tem noção?! Uma amiga brasileira que mora aqui há 12 anos, por exemplo, é casada com um egípcio. O casal conversa em inglês um com o outro, mas com o filho ela fala português e e ele árabe. O menino vai para uma
garderie bilíngue onde está aprendendo a se comunicar em inglês e francês. Outro vizinho é canadense-francês (o típico gringo que imaginamos quando pensamos na América do Norte, que é uma raridade encontrar aqui, haha) e fala em inglês com a filha, mas a mãe da criança é espanhola (eles não moram juntos) e, pra completar, ela frequenta
garderie francófona. Ou seja, mais um exemplo de criança sendo exposta a pelo menos 3 idiomas ao mesmo tempo. E por aí vai... as famílias aqui são um emaranhado de povos e línguas - é interessante pensar no que isso vai dar! E pensar que no Brasil tem especialista que teima que não é bom para a criança aprender inglês (uma 2a língua) muito nova... pura baboseira!
Outra curiosidade é que, diferente do que percebo entre nós, brasileiros que também somos uma mistura de muitas culturas, as pessoas daqui parecem se importar muito mais com as suas raízes. Pode ser que seja algo recente, não sei, mas é nítido que elas fazem questão de manter vivos não só a língua materna como também costumes do seu país de origem. Ao meu ver, isso não aconteceu quando o Brasil foi populado por imigrantes. Por exemplo, eu sou descendente de italianos e meus avós, que nasceram no Brasil (ambos filhos de italianos/franceses), sequer aprenderam a falar o idioma dos pais de origem. Tanto que eu sei muito pouco ou nada sobre o que é ser italiana, e me considero 100% brasileira. Mas aqui não, as pessoas aprendem o idioma local (no caso, o francês, que é uma obrigatoriedade para poder imigrar, só não sei se também no caso de refugiados), mas em casa continuam falando o idioma materno, e o ensinam a seus filhos. Na rua, nos ônibus, em restaurantes é muito comum ouvir uma mistura louca de idiomas. A cultura árabe/muçulmana é facilmente identificada por aquele pano que as mulheres colocam sobre a cabeça (desculpem-me a ignorância, mas não lembro o nome!), e isso mesmo na 2a geração de imigrantes (aquelas que nasceram e viveram aqui a vida toda e ainda assim se esforçam para manter suas tradições familiares do país de origem). Isto também se reflete nos tipos de restaurantes que você encontra pela cidade, tem para todos os gostos - comida indiana, árabe, tailandesa, chinesa, japonesa, libanesa, etc. - a variedade é imensa. E por isso quando chegamos foi tão difícil descobrir quais eram os costumes ou comidas quebequenses (ou canadenses).
Por falar em cultura canadense, em três ocasiões diferentes tivemos o privilégio de ser convidados para comer na casa de famílias canadenses (que moraram aqui a vida toda). E em todas elas eu reparei que o educado é o anfitrião servir cada convidado ao redor da mesa para só então todos comerem juntos (até as crianças esperam). Ele(a) pergunta o que você quer comer e faz o seu prato. Diferente, né?! Achei formal demais e me senti constrangida de ter de retribuir um jantar assim para esses amigos, rs. Se o fizesse, com certeza faria à moda brasileira mesmo: coloca-se toda a comida na mesa e cada um se serve com o que quer, bem à vontade!! Sei lá, acho estranho eu colocar comida no prato para outras pessoas que mal conheço - não parece que eu estou "decidindo" o quanto ela tem de comer?! Sem contar que culturalmente para nós brasileiros o bom quando se come na casa de alguém é "limpar o prato" para não fazer desfeita, né! E também pra não desperdiçar comida. Mas aqui acho que não tem isso não.
Para fechar este ponto, quero dizer que sinto de não falarmos francês com fluência ainda! Queria dar essa oportunidade para as meninas (de serem poliglotas desde pequenas), mas ao mesmo tempo sinto que poder
homeschool é uma bênção e privilégio ainda maiores do que elas falarem 3 línguas perfeitamente. Ainda assim, faço o que dá para expô-las ao idioma: de vez em quando vamos à biblioteca pegar livrinhos em francês (para eu ler pra elas,
yikes!), uma vez por semana coloco filminhos para elas assistirem em francês (Calliou, Peppa Pig, Mickey Mouse ou às vezes outros educativos que encontro no Youtube), a Nicole faz aula de piano com uma professora francófona (que fala pouco inglês) e na aula de balé e outras atividades no centro comunitário, a professora/educadora dá as explicações nos dois idiomas (em francês, depois em inglês). Também entrei em contato com uma família francófona (mãe canadense, pai francês) que
homeschool os três filhos (de 3, 5 e 7 anos) e que acabou de se mudar para a ilha. Uma vez por semana a gente tenta se encontrar no parque para as crianças interagirem (os filhos só sabem francês) e, quem sabe, se soltarem mais no francês. São estratégias, vamos ver no que vai dar.
As creches
Em São Paulo eu já tinha reparado que a classe média foge do termo "creche" para se referir ao lugar onde coloca o filho para passar o dia e prefere dizer que ele frequenta uma "escolinha". Pedagogos fazem o mesmo - na intenção de enobrecer o termo e fugir de uma associação com assistência social, eles a denominam como "educação infantil". Não sei como é esta questão de nomenclatura no resto do mundo, mas no Canadá o termo é
daycare ou, em francês no Québec,
garderie,
e remete justamente a um lugar de cuidado, um local onde as crianças pequenas passam o dia recebendo cuidados para que os pais possam trabalhar ou estudar. Como as CPEs (creches do governo) são bem conceituadas e bastante concorridas (principalmente por causa do preço!), as
garderies privadas costumam fazer propaganda de que oferecem "programa educativo" para atrair a clientela. Existem também as creches
residenciais, o que eles chamam de
garde en milieu familial, para quem prefere um tipo de atendimento alternativo (não seria o meu caso, presenciei cenas de crianças de
garde em milieu familial no parque com a cuidadora que me deixaram com uma péssima impressão).
O bairro onde eu moro é bem privilegiado (economicamente falando) e diferente da cidade de Montreal em si (pelo menos a parte que pude conhecer até o momento). Aqui há casas lindas, verdadeiras mansões e, no centro comunitário que frequentamos, é comum as crianças irem acompanhadas pelas babás ou pelas próprias mães. As vizinhas que moram no mesmo tipo de apartamento que o meu (os mais pobres do bairro!!) não têm o mesmo privilégio porque elas precisam trabalhar fora e colocam a criança em creche. Mesmo entre as mães com uma condição social melhor (as que podem ficar com os filhos em casa durante a 1a infância), me surpreendi com a pouca confiança que elas têm na própria capacidade. Talvez seja uma particularidade do Québec, pois vim pensando que encontraria mulheres mais confiantes e autônomas no que se refere ao cuidado e instrução dos filhos. Não esperava que fossem se surpreender ao ouvir que eu pretendo
homeschool. Como no Brasil, algumas sequer haviam ouvido falar sobre a prática e acabam sendo dependentes do serviços de terceiros (creche, atividades no centro comunitário, ou outros). Não analisei o suficiente para concluir se elas também são imigrantes recentes, mas é uma hipótese! No geral, a sensação que eu tive é que o pensamento coletivo aqui é bem próximo ao que encontramos no Brasil: existem poucos
homeschoolers e uma grande ansiedade por parte das mães (e pais) de colocarem logo seus filhos em
daycare educativa, para que eles ganhem independência e estejam "melhor preparados" social e intelectualmente para entrarem na escola aos 5 ou 6 anos. Apesar disso, existem sim pequenas comunidades de
homeschoolers (
como esta), com estrutura, recursos e até mapa virtual para ajudar os praticantes e aspirantes a achar uns aos outros. Foi assim que conheci essa minha vizinha que ensina os filhos em casa. Acho que no Brasil ainda não existem iniciativas com essa.
Mas voltando ao tema, a principal diferença que eu senti na creche daqui é a liberdade que os pais têm de ir e vir dentro da instituição e saber tudo o que está acontecendo com a criança. Achei fenomenal, principalmente por causa da experiência ruim que tive na "escolinha" bilíngue em que a Nicole estudou em São Paulo. Lá a comunicação via agenda era desastrosa e os pais sequer eram autorizados para entrar com a criança ou ficar lá dentro com ela, por alguns minutinhos que fosse (só era permitido no período de adaptação e olhe lá). Nós tínhamos de entregá-la e buscá-la na porta e confiar cegamente. Inclusive, já recebi bronca desaforada por telefone da própria dona depois de enviar um bilhete na agenda pedindo para acompanhar um dia de aula com a minha filha - ela perguntou: "Você gostaria que outros pais assistissem aula com sua filha?", como se fosse uma aberração crianças terem contato com outros adultos!
Aqui é totalmente diferente: nas duas instituições em que a Nicole frequentou tanto eu quanto o meu marido tínhamos a nossa própria chave de acesso ao local e podíamos entrar e sair quando quiséssemos. E também podíamos falar livremente com as educadoras lá dentro (nenhuma coordenadora ficava barrando o acesso dos pais a elas, como também é costume no Brasil, principalmente em escolas particulares). Aliás, na minha experiência aqui não teve esse esquema de agenda individual dizendo se a criança se alimentou, dormiu, quantas vezes foi ao banheiro, etc. Quando você busca a criança a educadora já está ali ao vivo e a cores e conta o que aconteceu (ou então você mesmo pergunta). Assim é muito mais prático. A primeira creche ficava aberta o dia todo (das 7:00 às 18:00) e os pais é quem decidiam o horário de deixar e buscar a criança (respeitando o número máximo de horas que a legislação canadense permite que criança fique em creche, sob pena de pagamento de multa caso ultrapasse o tempo). Na segunda creche, como não era em tempo integral mas em dois turnos (manhã e tarde), a nossa chave de acesso para o turno da tarde funcionava a partir das 13:00 em ponto (nem um minuto antes!) e nós, obrigatoriamente, tínhamos de buscar as meninas antes das 17:00 já que este era o horário de fechamento (quem se atrasasse pagava multa também!). O interessante é que, além de não gastarem dinheiro com funcionário para receber as crianças na entrada (mão-de-obra aqui é cara), a creche ainda obriga os pais a se envolverem e a vivenciarem a área em comum da creche já que ela é, digamos assim, a 2a casa das crianças. O pai (ou mãe) põe a mão na massa: entra com o filho, guarda seus pertences no armário/cabides (no inverno, tem todo o trabalho de tirar botas de neve, o macacão, a jaqueta, luvas e gorro), o leva para fazer xixi e lavar as mãos (nesta já cumprimenta as educadoras) para só então se despedir da criança e ir embora. O mesmo na hora de buscar.
Notei outras diferenças também. Na primeira creche, além de uma troca de roupas que a coordenadora havia pedido, eu enviei uma bolsinha com toalha, pasta e escova de dentes - afinal, minha filha iria passar o dia lá, almoçar, etc. Mas eles não levam as crianças para escovar os dentes durante o dia! Culturalmente para eles simplesmente não faz parte das atividades de creche ensinar o hábito da higiene bucal após as refeições como fazemos no Brasil. Já lavar as mãos é algo que eles fazem o tempo todo. Ao entrar, mesmo que a criança não precise usar o banheiro, ela obrigatoriamente tem de lavar as mãos antes de pegar algum brinquedo. Bem, demoramos uns três dias para perceber que ela não estava usando a escova e, quando meu marido perguntou porque a Nicole não estava escovando os dentes, a educadora fez uma cara de espanto e disse que poderíamos levar a escova de volta pra casa. :-)
Outra curiosidade é a neura que eles têm com alergias alimentares. Nas duas creches foi muito reforçado que era proibido entrar com qualquer tipo de alimento industrializado - ao ponto de na hora do lanche oferecerem leite em vez de suco por causa dos corantes artificiais! Imagino que essa regra e preocupação tenham razão de ser. Num lugar com pessoas de origem tão distintas, é melhor se precaver mesmo.
O inverno
Gente, o inverno aqui é
punk! Muito longo e muito frio. Acho que nada poderia me preparar para o frio que pegamos aqui neste inverno. Disseram que há muitos anos o inverno não era tão rigoroso assim, mas sei não se eu acredito, rs. E essa história de que abaixo dos -15 graus é tudo a mesma coisa pra mim é papo furado. Abaixo de -15 é frio pra caramba e, acreditem, pode piorar muito. É um frio tão agressivo que deixa a pele ressecada (ela fica vermelha, como se estivesse queimada) e faz congelar até os pelos do nariz (eles ficam duros e depois o gelo derrete e começa a escorrer). Ou seja, tem de cobrir quase todo o rosto pra não se machucar! Eu que nunca fui de usar creme nas mãos porque não gosto da sensação delas melecadas, precisei usá-lo várias vezes ao dia para não ficar com as mãos descascando e feridas. O ar dentro de casa era tão seco que ao acordar meu nariz chegava a sangrar - com catota dura! Aliás, o ar seco secava tudo rapidamente (roupas, toalhas e até sapatos dentro de casa), o que não acontecia em nossa casa no Brasil. A pior coisa da época de inverno no Brasil é que as toalhas de banho não secam nunca e as roupas emboloram dentro dos armários por causa da umidade. Aqui o perigo é outro: por causa dessa secura toda, há muito risco de incêndios (acontece com certa frequência, um prédio do nosso bairro pegou fogo!) e, com isso, torna-se prudente ter seguro de residência.
A primeira neve caiu no início de dezembro. Me lembro bem porque foi no meu último dia de aula e eu voltei pra casa de ônibus aquela noite toda feliz sentindo e vendo os flocos de neve caírem. Uau, tudo ficou branquinho, exatamente como nos filmes. Quanta alegria! Queríamos muito aproveitar tudo o que podíamos do inverno, mas ele é tão absurdamente longo que chegou um ponto em que eu não aguentava mais ver tanto branco. Não tinha mais onde colocar tanta neve que se acumulava nas calçadas! Era meados de abril, supostamente em plena primavera, e a paisagem continuava branca! Apesar de tudo, preciso afirmar: aqui ninguém passa frio não. A cidade é toda preparada para esta época do ano, os prédios sempre bem aquecidos, as estações de metrô fervendo de calor, e até dentro do ônibus é quentinho. No centro, são tantas passagens subterrâneas ligando um prédio ao outro que você nem precisa enfrentar as baixas temperaturas lá fora. Em nosso apartamento, por exemplo, nós regulávamos a temperatura e, como o aquecimento está incluso no aluguel, nem de cobertor precisávamos à noite. Ou seja, inverno aqui NÃO é sinônimo de sofrer pra tomar banho ou mesmo de dormir com duas calças, duas blusas, meias, cobertor e ainda um edredom por cima!
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Vista da janela do nosso apartamento no inverno. |
Talvez a nossa família sentiu ainda mais o impacto do inverno porque estávamos a pé. Quisemos bancar os corajosos e resistimos em comprar um automóvel já que o transporte público daqui é bom e não queríamos ficar procurando vaga na rua ou gastando com estacionamento toda vez que saíssemos de casa. No começo foi "só alegria", mesmo com todo o perrengue que era caminhar até o mercado e carregar sacolas no braço ao voltar, ou então ir de ônibus e metrô para a igreja ou outros lugares com as crianças no colo. Como elas ficavam pesadas com toda aquela parafernália de inverno! Além do peso, as botas sujavam os nossos casacos (porque neve bonita é aquela que acabou de cair, depois ela fica "barrenta"). A alternativa então era carregar as meninas nos ombros, mas mesmo assim sair de casa exigia um tremendo esforço físico (de mim, principalmente). Eu já estava pedindo arrego e me arrependendo amargamente de não termos comprado um carro. Até que em meados de fevereiro demos o braço a torcer e compramos um carro bem velhinho. Óooo, que alegria foi novamente, rsrs. :-)
Hoje, depois de um inverno que pareceu não ter fim e de uma primavera que começou a dar o ar da graça um mês após a data oficial no calendário, os dias estão finalmente esquentando e ficando do jeito que eu gosto!! Com uma ressalva: está escurecendo tarde da noite e é complicado colocar as meninas pra dormir às 19:30 ou 20:00 quando o sol ainda está brilhando lá fora (no inverno era o contrário, escurecia cedo pra caramba, entre 16:00 e 16:30!). Dizem que no verão o calor daqui é insuportável também - por que será que aqui as temperaturas oscilam tanto, frequentemente nos extremos do termômetro? - mas depois ter de usar, por 8-9 meses, calça e manga longa toda vez que ia pra rua, ainda estou no estágio do "ver para crer", haha. Se for tudo isso de ruim que estão dizendo, eu acho que não vou ligar tanto... afinal, tenho certeza de que vai durar muito pouco (uns 2 meses?) e, pra mim, poder usar chinelo, shorts e regata vai ser uma alegria sem tamanho!!
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O lugar onde moramos é um paraíso!
Não me canso de admirar tamanha beleza da natureza. |
Vida em apartamento
Aproveitando o assunto da secura do inverno, eu ficava boba com a quantidade de pó visível que se formava dentro de casa nas superfícies, mesmo com tudo fechado (e muito bem selado para manter a casa termicamente isolada). Eu não dava conta de limpar! Talvez por causa do aquecimento? Não sei, mas o fato é que, diferente do que estamos acostumados no Brasil, limpeza se resume a passar um pano úmido. Não existe "lavar o banheiro" ou "lavar a cozinha" porque não pode jogar água no chão! As casas são feitas de madeira e não têm ralo no chão. Isso foi algo que eu estranhei bastante porque passar pano não tem o mesmo efeito, na minha opinião! Aliás, eles vendem os "panos prontos" (
cleaning wipes, como os lenços umedecidos para bebês) para você não precisar de pano de chão já que pano é pano e pode pegar fogo no inverno. E eu reparei que até pano de prato aqui é diferente: ele não é de algodão, mas de algum tecido que não absorve direito a água, provavelmente é anti-inflamável. Como a cultura aqui é ter lava-louças quase como um item obrigatório (a lógica do Brasil é oposta: mão-de-obra barata e eletrodomésticos caros), pano de prato que não seca louça não é um problema para eles.
Se morar em apartamento já é restritivo para quem tem criança pequena, morar num apartamento com paredes ocas é pior ainda, hehe. Pois é, eu achei muito chato ficar o tempo todo pedindo para minhas filhas pararem de pular, correr, etc. para não incomodar os vizinhos debaixo. E não é nem porque eles reclamavam (meus vizinhos são muito tranquilos), mas é porque eles têm bebê de colo e seria muito chato acordá-lo de uma soneca, por exemplo. Também não gostei de morar em apartamento com paredes ocas por causa da falta de privacidade. Numa noite em que a Alícia teve febre e acordou aos berros perto da meia-noite (eu já falei que ela é escandalosa?), logo quando chegamos, eu a peguei no colo e fomos para o banheiro porque eu não queria acordar o resto da casa. O problema é que a planta do nosso apartamento é estranha e o único banheiro fica bem do lado da porta de entrada. Acredita que uma vizinha do apartamento que fica do outro lado do corredor (não direitamente em frente à minha porta) veio bater em casa pra perguntar se estava tudo bem? Eu imagino que ela teve toda boa intenção do mundo (afinal, ela tem um filho da mesma idade que a minha caçula), mas eu achei muito chato. Me senti invadida, sabe? Não estou acostumada com falta de liberdade dentro da minha própria casa. Sei lá... em pensar que o que eu falo, alguém na casa do lado pode estar ouvindo.
Outro medo é a sacada... estamos no 2o andar e não deixo as meninas brincarem na pequena área porque elas podem inventar de subir na grade, passar pelo meio... enfim, melhor prevenir acidentes. Por esses motivos, no fim de junho vamos nos mudar para um apartamento no térreo. Continuaremos no mesmo bairro e no mesmo tipo de prédio, mas na rua de trás de onde moramos agora. Eu vou sentir falta da imensa árvore que fica bem em frente da nossa janela, de onde posso ver esquilos subindo pelo tronco e ver/ouvir os passarinhos cantando. Mas espero que os prós de ir para o térreo compensem os contras, a começar pelo tipo de planta do apartamento que é mais parecida com os modelos que encontramos no Brasil e também pela possibilidade de termos um espaço útil maior do lado de fora (de frente com a janela), onde esperamos fazer um jardinzinho.
Desfraldamento
Apenas para não passar batido, vou resumir rapidamente como foi o processo de desfraldamento com a Alícia: um pesadelo!! Hahaha, é rir pra não chorar porque, olha, foi dureza! Eram tantas calças e calcinhas sujas e molhadas que nós não dávamos conta de lavar!! A banheira vivia cheia delas e, inclusive, tive de sair pra comprar uma dúzia de calcinhas novas só pra ter de reserva. Ainda hoje acontecem acidentes (são infrequentes), mas o pior nós definitivamente já superamos. UFA, respiro aliviada!! Rsrs. Desde que as minhas aulas terminaram e eu comecei a ficar em casa de novo, as coisas começaram a entrar nos eixos. O tempo todo eu sabia que "a culpa" era minha (se é que existe um culpado), pois a Alícia raramente fazia xixi na calça enquanto estava na garderie, por exemplo. Lá ela fazia direitinho no vaso, mas era só estar em casa (ou na rua!) comigo ou com o pai que o negócio desandava. Era como se ela descuidasse de propósito, para se fazer de bebê e chamar a nossa atenção. Entendo que era a forma dela de lidar com todas as mudanças e estou FELIZ que esta fase tumultuada passou.
Bem, é isso. Comecei este post tem quase um mês, está mais do que na hora de publicá-lo!!